Tuesday, January 26, 2010

Flagelado da natureza

Esse texto escrevi a um tempo atrás, não me pergunte quando. É sobre a triste realidade de uma pessoa que passou por um desastre natural... Caso esteja sensibilizado hoje, não leia...



Flagelado da natureza


Quantos seres humanos mortos vocês já viram em sua vida? Desde o meu nascimento, presenciei homenagens fúnebres de entes da minha família e alguns membros da minha aldeia de origem. A quantidade de vezes que compartilhei a presença de cadáveres ao meu lado aumentou drasticamente no decorrer dos últimos dias.


O fenômeno que motivou o acontecimento destes fatos em sua essência é muito simples: uma grande quantidade de água invade o continente devastando tudo.


Nasci em uma ilha de origem vulcânica no sul do Oceano Pacífico. Sou fruto de criação de uma comunidade típica das ilhas da região, entretanto o contato com turistas do ocidente cooperou para minha situação atual. O contato da população local ao oeste da ilha com os visitantes do mundo inteiro foi sempre muito pacífico. As pessoas de diferentes nações e constituições físicas foram levadas por mim, quando criança, para conhecer as praias paradisíacas de nossa aldeia.


O aumento das visitas colaborou com o meu deslocamento ao polo da ilha receptor de turistas. Com uma estrutura própria para recepcionar inúmeros estrangeiros foi atraído para este meio com o intuito de ganhar dinheiro e sustentar uma vida digna de um ocidental. Apesar de muito jovem, já mantenho uma família pequena. Minha esposa que me acompanhou na saída da aldeia esposa e minha filha para quem dedico horas de trabalho para seu sustento.


Minha função principal era levar turistas do polo metropolitano da cidade para conhecer o lado oeste da ilha, o lugar onde eu nasci. Isso aconteceu desde a minha infância, mas a diferença atual é o percurso pelo qual levo os clientes. Antes, quando criança, as pessoas chegavam direto em minha comunidade, agora com o aumento do aeroporto e crescimento da demanda, empresas se especializaram no serviço de receber os clientes do lado rico da cidade e fazer seu transportes às áreas paradisíacas distantes e não afetadas pela urbanização drástica.


O deslocamento demora em torno de duas horas, feito por veículos com tração nas quatro rodas de última geração. Eu sou responsável por toda a viagem dos visitantes, mostro os pontos mais interessantes de minha aldeia, que hoje não prosperam mais com tanto vigor diante da intervenção de empresas estrangeiras de turismo como esta em que eu trabalho.


Minha esposa trabalhava como garçonete em um restaurante a beira da praia, no centro metropolitano da ilha. Hoje, estive a procura dela, ou melhor, de seu corpo que provavelmente foi levado pela grande onda que devastou minha terra natal. Consegui, por ironia do destino salvar nossa filha, que ficou doente e não pode acompanhar a mãe na jornada de trabalho.


Quanto o terrível incidente ocorreu eu estava a caminho do hospital, dentro do carro da empresa, acompanhado somente pela minha filha que seria atendida por algum médico barato. A onda gigante arrastou o automóvel por vários metros até ficar preso contra um muro que resistiu o impacto.


O cenário é calamitoso, durante quatro dias procurei pela minha esposa. Durante estes três dias de angustia, sem dormir um segundo sequer, vistoriei cadáver por cadáver nas ruas até encontrar o corpo de minha esposa.


Foi carregando minha filha de quatro anos nos braços que a encontrei. Levantei uma toalha de mesa responsável por esconder duas vítimas do desastre e me deparei com sua imagem sem vida e muito desfigurada. Seu nome ainda era visível ao pouco que restou do uniforme do restaurante.


Agora, sem nenhuma esperança, sigo em direção a minha aldeia, para celebrar o rito de passagem de minha esposa, levado por um carro de boi precário. Cercado de dúvidas, não sei o que restou de meu lindo recanto natal e qual o futuro que me espera. Cercado de certezas, ouço o choro de minha filha que anseia por comida e sinto o fedor da morte que exala do corpo de minha finada esposa.


Nome: Ferdinando Garcia Roxas

Nascimento: 20/11/1975


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