Wednesday, December 19, 2007

Contos de Escalada

Escalador 1
parte 5 (final)

-Não admito que ele suba mais essas pedras!
Arrancou aos presentes do filho e os atirou dentro do chiqueiro dos porcos. Ato de uma mãe desesperada pela integridade de sua cria, e o marido mais que depressa acolheu a mulher que descontroladamente mandou os visitantes irem embora.
O casal que presenteou o menino atravessou o portão da fazenda desolo, perderam um parceiro de escalada e um grande potencial de escalador. Sem poderem se despedir da criança tudo ficou mais doloroso, afinal foram ameaçados a saírem da fazenda como animais.
A escalada do casal não cessou. Continuaram escalando no bosque, visitando aquele setor que lembrava tanto a boa companhia do divertido garoto. Algumas linhas dos blocos receberam alguns nomes em sua homenagem, alguns como: “Guilherme”, que era um dos blocos que o garoto mais almeja subir, outro como “Pequeno Potencial”.
Em uma dessas visitas ao bosque, o casal junto com mais três amigos tentavam uma linha bastante peculiar. Ela transcorria sobre a boca de uma caverna, esta que já havia sido explorada outras vezes quando este mesmo grupo foi obrigado a se abrigar da chuva típica de uma estação do ano. Em algumas tentativas todos estavam chegando praticamente ao final da grande boca da caverna. O jovem, amigo de Guilherme se destacava entre todos do grupo com sua grande destreza em subir bloco e nesta linha como sempre chagava mais longe que os outros, porém faltando alguns poucos centímetros para alcançar o final.
Foi depois de algumas exaustivas tentativas que passou o ponto de onde não conseguiu passar outras vezes. Visivelmente distante do chão a alguns cinco metros a queda não seria sua grande companheira. O fracasso seria muito doloroso, pois a partir do ponto em que ele não conseguia passar anteriormente, não havia formas de proteção em sua queda. A parede levava o escalador a ficar sobre um emaranhado de arbustos espinhosos típicos daquela região do bosque, seus amigos não tinham o que fazer, afinal era impossível caminhar dentre a vegetação hostil. Voltar por onde veio era uma idéia nula em sua mente, a única coisa que pensava era na irresponsabilidade de não ter mensurado os danos causados pela queda antes de chegar até ali, possibilitando uma desistência prematura, mas funcional para sua integridade. Sua mão direita alcançou uma saliência redonda na rocha, de acordo com o plano que traçou rapidamente naquela situação, seguraria mais um pedaço de pedra pequeno e rapidamente se jogaria com a mão esquerda em uma pequena árvore que se encontrava no topo, facilitando o domínio da boca da caverna. Rapidamente sua mão direita apertou com muita forca o pequeno pedaço de pedra que se sobressaia entre outros, com um balanço muito preciso do corpo sua mão esquerda segurou o caule da pequena árvore. A explosão de gritos vinda da base da entrada da caverna foi imediata, todos estavam aliviados com a magnífica salvação do escalador. Com a mesma rapidez que os gritos de alívio invadiram o bosque, um estralo surdo calou todos, o caule da pequena árvore se partiu...
Caso fosse qualquer outro escalador com um pouco menos de força, teria ocorrido um grave acidente. Sua mão direita por extinto segurou todo o seu corpo suspenso no ar, com muita calma voltou a segurar com a mão esquerda a saliência arredondada. Na sua última tentativa de evitar a queda dirigiu sua mão esquerda para o que sobrou do pedaço da árvore que se partira. Como já esperava, o pequeno toco começou a ceder vagarosamente, o jovem na tentativa de evitar maiores ferimentos olhava para baixo procurando o melhor lugar para cair. O local da queda estava escolhido, alguns gritavam para ele agüentar firme, pois já estavam tentando subir o bloco por trás. Uma mão gelada, espantosamente, o segurou pela mão esquerda.
Guilherme estava de volta. Aquele pequeno corpo foi suficiente para dar a sustentação necessária ao seu amigo, possibilitando o domínio seguro da boca da caverna. Ambos seguros sobre a pedra se entreolharam, os barulhos de aplausos e gritos vindos de baixo eram estarrecedores, outras pessoas vindas de outros setores, desconhecidos por Guilherme, compareceram para assistir a quase conquista da boca da caverna, tão almejada por todos.
Ambos se saldaram de forma nostálgica.
-O que traz você aqui?
O pequeno garoto conta que o pai e os irmãos convenceram sua mãe que a responsabilidade da perna quebrada não era dos dois amigos. A mãe entendeu com um aperto no coração e deixou o filho voltar a suas atividades que tanto gostava.
-E sua perna como esta?
A perna do menino estava curada. Sua volta estava concretizada. Tirou da sacola que levava nas costas as sapatilhas que recebeu de presente, costuradas de forma tosca pelo pai, pois a mãe arremessou o par aos porcos que fizeram o favor de causar alguns estragos. Aquilo tornava aquela sapatilha única...
Após alguns anos, o garoto tornou-se um jovem. Conheceu no decorrer deste tempo todos os setores do lugar, cada pedra escalada, cada linha já escalada, cada saliência nas pedras já seguradas. Ganhou respeito e sua fama era nacional, mesmo até sem nunca ter saído daquele bosque. Foi responsável pela elevação da modalidade que praticava, conheceu pessoas outras que não eram seus amigos iniciais.
O jovem que conheceu no primeiro dia que visitou o bosque agora era um homem. Foi responsável por outras sapatilhas do garoto. Escalaram muito tempo juntos, ambos estavam no mesmo nível de evolução, um aprendia muito com o outro. Infelizmente uma lesão afastou o homem de seu esporte e de seu parceiro de escaladas, fato que o desmotivou a voltar escalar, esquecendo de vez o esporte, acontecimento muito doloroso em sua vida.
Guilherme continuou escalando, conhecendo novas pessoas, ajudando a família no campo. Um dia passeando pelo bosque buscando novas linhas, coisa que parecia impossível simplesmente pelo fato de já ter escalado todas conhecidas. Mas, algo lhe dizia que a linha mais perfeita de sua vida estava nas redondezas. Ele gostava de fazer isso solitariamente a fim de lembrar os seus tempos de infância, com um colchão para amparar as quedas e um par de sapatilhas, procurava.
Demorou um pouco para achar o bloco de sua vida. Encontrou. A beleza daquele bloco era exuberante, quase como um grande escudo medieval de pedra encravado na terra, inclinado formava um ângulo acentuado com o chão. As saliências eram evidentes, a linha era muito óbvia e, era apenas uma. O coração do jovem acelera a cada passo em direção àquela grande placa inclinada. Sem demora calçou as sapatilhas, esticou o colchão e começou suas tentativas. A princípio não conseguia tirar o seu corpo do chão, teria que puxar com as duas mãos uma saliência arredondada e voltada para os seus pés para logo após segurar um pequeno friso que cortava a pedra de uma extremidade a outra, paralelamente ao chão. O sucesso o contemplou após algumas tentativas o insistente jovem. Segurando a pequena saliência por alguns poucos segundos a queda foi inevitável. Feliz, caído no chão, levantou a cabeça de forma satisfatória, levando-o a concluir que ainda teriam mais quatros metros com a mesma dificuldade a ser vencida. Sentia-se esgotado aquele simples movimento sugou todas as suas energias.
Voltou para casa sabendo que necessitava de ajuda para dominar aquele bloco e, sabia muito bem quem deveria o acompanhar no domínio desde bloco dos seus sonhos.

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