Tuesday, January 29, 2008

Contos de Escalada

Escalador 2

(parte 3)



Jorge brincava com todos dizendo que aquela união era como um mosquetão de sua marca favorita, nunca iria se romper. Depois de formados, em busca de uma comemoração pela formatura e pelo aniversário da revista resolveram fazer uma escalada fora do país. Escolheram o local de acordo com a vaidade e o ego de ambos. Eles queriam algo desafiador, algo que exigisse necessariamente da experiência dos dois, exposta ao extremo limite. Por isso, o motivo de terem escolhido um lugar ao norte do globo estava justificado. Alguns colegas acharam uma loucura encarar esta tal empreitada, pois, a logística era muito complexa atrelada ao frio extremo e a quase impossibilidade de resgate.
Iuri e Jorge contrariavam todas as hipóteses negativas, eles queriam seus nomes marcados na história mundial da escalada como se não bastasse tudo que haviam conquistado desde então, dentro de seus paises. Um escalador nunca esta satisfeito com aquilo que conquistou. Sempre, na vida de um escalador o limite é mero acaso para viver em busca de diferentes maneiras de transpassa-lo.
Os meses foram passando, a logística da empreitada estava quase completa, faltando apenas algumas coisas para comprar e outras delegações a serem esclarecidas aos funcionários da revista. Duas semanas antes da tão esperada escalada, Jorge entra sem bater na porta da sala do seu sócio e amigo, algo evidentemente muito estranho, pois apesar de todas as suas excentricidades ele era uma pessoa muito educada. Com uma cara de preocupação e desespero, segurava uma folha de papel impressa quase toda amassada, começou a bradar: -Acabei de receber essa notícia para colocarmos na próxima edição! Esticou o papel diante do rosto do parceiro de escalada. A mão tremula do jovem dificultava a compreensão do conteúdo que estava no papel. Agressivamente, Iuri tomou o papel das mãos do colega. Agora a imagem de três homens sobre o cume de uma grande parede era nítida. Aquela foto foi tirada por ele mesmo. Fotografou aqueles três escaladores quando eles completaram uma das vias mais complexas do país. Um tempo depois desta histórica ascensão Iuri e Jorge repetiram o feito, devido a um desafio proposto pelo trio.
Ele lembrou exatamente do momento da foto, escalou junto com Jorge uma via paralela a do trio e de complexidade bem baixa. Subiram em função da equipe disposta a escalar a via mais complexa do país, motivos para uma matéria recheada de muita ostentação do feito. Exausto, devido o desgastante da subida, esta foto que estava em suas mãos agora, foi a última tirada naquele dia para esta matéria. O clique da maquina foi seguido de um tom de desdém que foi crucial para a ascensão da dupla seguinte:
-Este tipo de escalada nos separa de crianças como vocês dois.
Abaixo da foto era possível ler a seguinte descrição: “Grupo de escaladores escolhe um feito inédito para a escalada mundial, se arriscarão em uma das escaladas mais perigosas do mundo...”- a matéria se estendia por mais alguns parágrafos que especificavam o tipo de clima hostil a ser encarado pelo trio e a data do início da escalada. Exatamente a data de viagem dos dois diretores da revista para a tão esperada conquista almejada por ambos como um feito inédito, que agora se tornara o mesmo foco daqueles que os subestimavam.
Para Iuri agora tudo era muito claro, a dupla chegaria sem mérito algum ao cume, pois a conquista deles seria ofuscada pela dedicação e mérito dos primeiros conquistadores da parede jamais conquistada, posto que iriam começar a escalada no dia em que a dupla estaria a caminho do lugar.
-Pois é meu caro amigo, a corrida começou. Eu quero ser junto a você, o primeiro escalador a conquistar esta parede. – Jorge terminou a frase olhando através da janela dando um sorriso distante, como se enxergasse do outro lado do vidro eles dois no cume do paredão.
Iuri embarcou no devaneio como um barquinho de papel sendo tragado por um redemoinho impiedoso, não haveriam respostas negativas uma vez que Jorge tomou as rédeas da situação.
-Vamos adiantar nossa viagem em uma semana, para fins estratégicos...

Mais um passo dado com muito esforço era consumado. Andar naquelas condições era como estar em outro planeta, o planeta branco. A altitude não era elevada, mas o que deixava a aproximação mais difícil eram as fortes rajadas de vento que contavam as faces da dupla. Ambos carregavam mochilas enormes e junto de cada um, amarrado ao corpo, era arrastado um pequeno trenó de travessia onde levavam alguns suprimentos.
A confiança e dedicação na preparação daquela escalada não deixavam qualquer possibilidade de fracasso existir. Após seis horas de caminha, era possível ver de longe dois pontos diferenciados da brancura total diante de uma parede com mais de setecentos metros de altura. Encontrar a via não foi difícil. A base desta estava repleta de restos de acampamentos anteriores que estavam ali a alguns anos. Eram restos de outras expedições sem sucesso. Pedaços de barracas, com resquícios de cordas e ferragens jogadas ao chão, que deixavam aquele lugar com um aspecto nada agradável.
Como haviam estudado antes as possíveis rotas e conversaram com escaladores que já tentaram escalar aquela via, sabiam que os últimos cem metros de via que levava ao cume eram inexplorados. Todos os escaladores fracassaram a poucos metros do cume independente do caminho que seguissem. Aquilo era chamado de “síndrome dos cem metros”, existente somente naquela parede.
As equipes anteriores calculavam a escalada até o cume em cinco dias. Iuri e Jorge previam apenas três. Fariam uso da escalada estilo “Soares”, foi o nome dado pela comunidade de escaladores pelos métodos utilizados por Jorge Castillo Soares que, consistia em uma mescla de escalada alpina com escalada suicida, ou seja, pouco equipamento visando uma subida muito rápida. Tática infalível em outras escaladas da dupla, não poderia deixar de ser usada por eles sendo que queriam chegar antes da equipe que estava por vir e pelo fato de um dos integrantes da dupla ser o responsável pelo nome do estilo e por ser seu criador. Armaram acampamento junto com os destroços dos outros acampamentos, mantendo uma margem segura da parede para evitarem serem atingidos por pedras e alguns pedaços de gelo. No começo da noite, ambos sentaram de fronte para a parede e visivelmente podiam traçar táticas e meios de subir a parede. Tudo isso era possível pelo simples fato de naquela época do ano nunca anoitecer e pela proximidade do extremo pólo norte da Terra. Após algumas divagações bastante técnicas sobre a escalada, o momento agora era de descontração. Iuri falou um pouco da situação em que estava com a secretaria da edição da revista e Jorge lamentava a dor de barriga que estava sentindo desde o início da caminhada para onde estavam.

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