Monday, February 01, 2010

Meu Réquiem ou Travessia do Rio Aqueronte (Parte 1 de 5)

Acordei quase afogado.


Cuspi o líquido que preenchia minha boca e ao mesmo tempo me embalava como um cadáver dentro de um caixão. A sensação de estar um sarcófago era presente, ouvia a respiração dos meus entes queridos balbuciar o som do meu réquiem.


Logo percebi que meu corpo boiava em um rio. Sentia sua correnteza, era serena.

As margens daquele grande fluxo não poderiam ser avistadas. O gosto do fluido em que eu flutuava era sangue, seu cheiro metálico causava nojo. Bastaram então, alguns minutos para eu perceber qual rio seguia pelas margens impossíveis de serem vistas.


Rio Aqueronte...


Algo me privou de uma apresentação formal, bastava sentir o balanço inebriante do fluxo para reconhecer. Uma vez localizado, procurei chegar em uma de suas margens a nado.


Nunca fiquei sabendo de evidências da tal façanha, entretanto, meu esforço seria o suficiente para ser o primeiro. Se eu acordara a deriva do nobre rio, por algum motivo seria. E esse eu sabia muito bem qual era.


Havia chegado a hora de atravessar o mitológico monstro que divide o Inferno de todo o resto dos mundos. A vontade de avistar as portas da morada do mal virou uma ânsia sem escrúpulos. Nadei durante dias em busca da margem oposta, por isso algo me incomodou muito. Como sabia que aquele seria o lado correto? Como saber que não voltaria aos mundos dos quais eu estava fugindo?


O gosto de sangue em minha boca era freqüente, minhas roupas foram deixadas para trás com o intuito de ganhar mais agilidade ao deslizar pelas águas que em alguns momentos mudava de densidade e sabor. Ora seu odor metálico do sangue humano transmudava para algo espesso e com o fedor cadavérico, ora para uma coloração marrom com uma acidez que causava dores enormes.